Acredito cada
vez mais que todas as relações de amor e afeto são construídas, principalmente aquelas
de amor parental: amor de pai pra filho e vice-versa. Esses laços afetivos
precisam ser cultivados no dia-a-dia para que possam dar frutos e mais tarde entendidos
como amor incondicional. Nesses tempos de individualidade, tecnologia e
autossuficiência é cada vez mais comum escolhermos a nossa família e não ter
obrigação nenhuma com aquela que biologicamente o destino nos vinculou.
Quero falar
hoje de relações construídas, mais especificamente de uma história que li falando
do amor de um pai por seu filho. O nome do livro? O Clube do Filme. Então sem
mais delongas vamos à premissa do livro.
David Gilmor,
jornalista e crítico de cinema canadense, observa com pânico crescente as notas
do filho, Jesse, de quinze anos, despencarem vertiginosamente. Ele e a
ex-mulher mudam o garoto de escola, mas a situação não muda e a cada dia a infelicidade
do menino é mais patente em seu rosto. Em um ato desesperado, David propõe ao filho
o seguinte trato: Jesse poderia sair da escola e, em troca, o pai teria a
promessa de que o filho não se meteria em encrenca (leia-se, nada de drogas ou
confusão!) e que três vezes por semana eles se reuniriam e assistiriam a um
filme escolhido por David. Jesse nem titubeia e aceita o trato imediatamente. E
assim começa a “educação” do garoto.
É claro que
David não escolhe apenas os filmes que pudessem educar Jesse, mas tudo que
poderia provocar alguma reação ao estado apático do garoto. Os filmes que pai e
filho assistem vão desde ‘Assim caminha a humanidade’ até o mais puro romantismo
deslavado de ‘Uma linda mulher’ passando por Goddard e o clássico japonês Ram. Mesmo com tão
grande diversidade de gênero, David percebe que pouca coisa (ou nada mesmo)
muda na vida do filho.
A primeira
coisa que se percebe é o tanto de amor que David tem pelo filho e vice-versa.
Não apenas pai e filho, mas amigos incondicionais com longas conversas sobre qualquer assunto, inclusive, sobre as coisas que angustiam a ambos.
David teve a sensibilidade de entender e
perceber que se forçasse o filho na escola as coisas poderiam ser piores, ele
chama para si a responsabilidade de guiar o filho para a vida, mesmo sabendo
que seu plano talvez não desse certo. E no meio de todos esses questionamentos chama atenção o modo como se dá a dinâmica familiar no qual a dupla está inserida: Jesse bebe, fuma e não tem horários rígidos a cumprir e tudo isso com o aval do pai, que deixa o filho escolher o vinho que será degustando no jantar.
Jesse tem
todas as fases que um adolescente passa na vida: o primeiro amor, as desilusões
amorosas, as más companhias, o mutismo e os dias passados embaixo da coberta em
um quarto escuro sem querer ver ou falar com alguém.
Apesar do
trato, o garoto se mete em confusões que só não fazem o pai desistir dele e do
combinado porque Jesse, apesar de tudo, é inteligente e tem um poder de
argumentação que deixava o pai muitas vezes sem saber o que dizer. São
absolutamente interessantes as dúvidas, angústias e medos que o pai tem em
relação ao futuro do filho, principalmente porque o tempo vai passando e nada
de Jesse encontrar seu rumo. Em muitos momentos David se vê defendendo o filho
dos amigos que o olham torto e com desconfiança sobre a decisão de Jesse não
frequentar a escola e seu apoio a decisão do garoto. Não à toa, ele se
questiona se o que ele está fazendo é o certo e que bem ele está fazendo pela
vida do filho.
Quando por fim
Jesse resolve assumir sua vida, David se surpreende com as decisões do rapaz e
percebe que todo o esforço valeu à pena. É engraçadíssima a ocasião em que o
pai sabatina o filho sobre o cinema francês e suas vertentes e Jesse
tranquilamente responde a todas as perguntas. Ou os momentos em que os dois
conversam sobre as mulheres e o efeito delas na vida de ambos.
A tristeza de David se dá por ele perceber que
nunca mais ele pode ter essa proximidade com o filho, este momento em que ele
literalmente guia Jesse para o caminho certo e acaba mostrando como um pai
presente pode ser tudo o que precisamos em determinados momentos da vida.