quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A Lei de Auri

A fala dos outros Parte II


A moça na foto comigo se chama Aurilene, casada, três filhos, professora como eu e um dom com as letras e as palavras que fascinam não só a mim, mas a todos que têm a oportunidade e o prazer de ler e ouvir seus escritos.
Postei aqui o memorial feito no último dia presencial do nosso Curso de Especialização em Educação Infantil, que para todos nós da turma é uma das maiores declarações de amor pela família e pela vida.

Com vocês, a Lei de Auri!!!! Palmas para ela!!!!!


Minhas memórias


Eu não poderia encerrar essa primeira etapa do Curso de Especialização em Educação Infantil sem falar no poder da palavra. Palavra que nos fascina, que nos inscreve no mundo, que nos aprisiona mais que também nos liberta. Palavra que todos os professores desse curso inscreveram em nós.  Palavra que me permite narrar e registrar a minha história.  História que ficará um pouco em cada pessoa que  ouvir, ler  ou  identificar-se com ela.
Filha de Ariolino Guedes da Silva e Francisca Alves Lima da Silva, irmã de Atevaldo, Ariosvaldo, Auricélia, Alda, Aleilto, Alenilda, Alcilene e Alecildo. Em outros momentos eu faria piada do nome de meus irmãos e do meu, Aurilene, é claro. Por diversas vezes falava o nome de todos seguindo a ordem de nascimento só pra ver a expressão de espanto de quem os ouvia.  Mas hoje não quero fazer piada da família “A”, como a denominei. Hoje quero me situar no mundo enquanto sujeito, quero descobrir minha identidade, entender a minha trajetória e para isso preciso me “agarrar” em minhas memórias. Ao tentar resgatar e narrar minhas memórias sinto cheiro, sabores e sensações de minha infância.
Não fui criada pelos meus pais biológicos, mas por minha tia, Maria de Lourdes, que morava na capital federal. Religiosamente, ela me levava para visitar minha família nas férias de dezembro. Nasci em um lugar chamado “Ponta do Aterro” no Maranhão. Recordo-me da casa no alto de uma montanha, feita de pau- a- pique, do córrego que passava por perto, era lindo. Lembro-me de quando ia visitar meus pais e irmãos nas férias de final de ano. Eu era criança, acho que tinha uns seis anos de idade. A minha chegada era sempre motivo de festa. Nos primeiros dias de férias sempre estranhava o lugar em que nasci e ficava pensando: como pode ter um lugar sem geladeira, sem luz elétrica, chuveiro e sem o pão quentinho comprado na padaria da esquina?  
 Os primeiros dias eram sempre de adaptação. Recordo-me de meus irmãos mostrando o material escolar que tinham: um caderno de brochura, um lápis e uma borracha.  Eu sempre perguntava onde estava a canetinha, o lápis de cor, o giz de cera, a borracha com cheirinho de fruta. Quando eu perguntava sempre ficava um silêncio no ar.  Silêncio que eu não entendia na época... Mais eu também tinha que me adaptar a liberdade que meus irmãos usufruíam: subiam em árvores para colher frutas, armavam “arapucas” para pegar passarinhos, pescavam, nadavam no igarapé enquanto minha mãe lavava roupa sentada em uma tábua dentro da água, sempre cantarolando... Na volta para casa, minha mãe era ajudada pelas minhas irmãs: colocavam bacias na cabeça com as roupas lavadas e lá íamos nós, brincando com tudo que encontrávamos no caminho. Por muitos anos segui esse “ritual de férias.”
Emociono-me ao relembrar esses pequenos acontecimentos. Emociono-me ao tentar procurar as palavras certas para falar sobre minhas memórias. E são com essas palavras que me percebo, que viajo em mim mesma. Faço minha as palavras de José Saramago quando ele diz em um dos capítulos do livro Viagem a Portugal que “a viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse: “Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva, caía ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”
E este curso está me proporcionando, ou melhor, nos proporcionando recomeçar uma nova viagem. Primeiramente uma viagem em nós mesmos, ajudando-nos a nos reconhecer enquanto sujeitos históricos, com memórias a serem narradas, pensadas, questionadas. Estamos vendo o que não foi visto, reavaliando o que já tínhamos visto, percebendo que a história é dinâmica e que por isso não devemos nos portar como se ela fosse estática, o que reflete diretamente na visão que temos sobre a infância e sobre a criança. Precisamos “voltar aos passos que foram dados,”  entender e dialogar com o passado para nos sentirmos “pertencentes” ao presente e responsáveis, mesmo que em pequenas ações em nosso cotidiano, pelo futuro. Futuro que começa aqui e agora, com engajamento e responsabilidade social.
Aurilene Lima


3 comentários:

Leosoueu disse...

Podia muito bem ser a Lei Áurea ou a Lei de Murphy, mas é a Lei de Auri, q traduz a vida de quem saiu do Nordeste e "venceu" na Capital... Bela história Auri!

Obetisa disse...

Como poderia esquecer dessa crônica que foi um dos momentos mais lindos do nosso seminário? Parabéns pela história de vida.
Obetisa (turma A)

Obetisa disse...

Como poderia esquecer essa crônica? foi um dos momentos mais emocionantes do nosso seminário.Parabéns pela história de vida.

Obetisa (turma A).